Minas Gerais, Notícias

Bento Rodrigues: dona de bar dá lição de vida

Dona de bar que foi soterrado por rompimento de barragens de mineradora em Bento Rodrigues,  dá lição de vida. Distribui 700 coxinhas em Mariana, feitas numa antiga cozinha emprestada.

O semblante é triste, como não podia deixar de ser, mas a esperança volta devagarinho ao coração de Sandra Domertides Quintão, dona do Bar e Restaurante da Sandra,  soterrado sob 15 metros de lama de rejeitos da Mineradora Samarco (controlada pela Vale e BHP).

Uma semana depois da tragédia, ela já encontra alívio e motivos para continuar vivendo numa cozinha que estava desativada e foi cedida pelas irmãs de caridade proprietárias do Hotel Providência e do Colégio Providência. “Minha casa é aqui agora. Vou morar aqui. Não quero mais sair”, diz ela, satisfeita por poder esquecer o tsunami que se abateu sobre sua vida e voltar a mexer nas panelas, mesmo que não sejam suas.

Hoje tem coxinha!!!!!!

Coxinha da Sandra1

Mais de 700 coxinhas saíram da cozinha de Sandra Quintão, ajudada pela amiga Joelma (Fotos: Joelma de Souza)

“É isso que eu sei fazer, é isso que eu gosto de fazer”, disse hoje Sandra, ao Planejo Viajar . Sua voz estava bem mais animada do que no sábado, quando eu conversei com ela. Sandra está hospedada no Hotel Providência com a filha, Ana Amélia, de dois anos e oito meses e mais 130 pessoas atingidas.

No sábado, ela chorava de lá e eu de cá, perplexa com a notícia do rompimento das barragens, depois de reportar isso tantas vezes como jornalista – e sem acreditar que veria isso novamente, em prejuízo de vidas e com a proporção que tomou, certamente o maior crime sócio-ambiental conhecido desse País.

Em seu bar, onde trabalhou por 15 anos quase sem descanso, Sandra servia diariamente refeições self-service, com direito a dois pedaços de carne. Pouco antes do tsunami de lama arrasar sua comunidade, ela estava na cozinha ainda, conversando com amigos. Só saiu com a roupa do corpo, sem antes ceder seu veículo, uma Strada com cabine estendida para que várias pessoas da comunidade foram salvas. “Foi tudo muito brutal”, lembra.

Sandra vendia 200 coxinhas por domingo em seu bar. O salgado era famoso na região. Agora, a comerciante vê alguma luz no fundo do túnel ao conseguir a cozinha com as irmãs. Ontem, ela fez pé-de-moleque e hoje, ajudada pela amiga Joelma Aparecida de Souza, de 25 anos, também vítima da tragédia, suas coxinhas fizeram a alegria dos hóspedes e visitantes do Hotel Providência.

Ela contou que conseguiu material depois que os leitores do Planejo Viajar viram nossa matéria e entraram em contato com ela. “Foram amigos de fora que iam no bar, jipeiros, que viram a matéria e me ligaram”. Foram feitas cerca de 700 coxinhas, todas distribuídas de graça.

Sandra espera que sua Strada saia da oficina (“ficou estragado, né, era muita lama!”) para descer ao Centro Histórico de Mariana e vender seu salgado e doce. “Nem que eu tenha que trabalhar até 4 horas da manhã”, garantiu ela. Se você, turista, estiver passeando por Mariana e ver a Sandra por lá, por favor, experimente seus afamados quitutes. Mais do que agradar o paladar, você estará ajudando uma família a se reerguer.

Quem quiser doar material para que Sandra continue fazendo suas coxinhas, pé-de-moleque e cocada, os ingredientes são: óleo, amendoim sem ser torrado (“eu mesma que gosto de torrar”), açúcar refinado (para o pé-de-moleque) e cristal (para a cocada), Toddy (“eu gosto dessa marca para dar o ponto”), margarina Qually, farinha de trigo Wilma, peito de frango, cebola, alho, sazon, leite condensado, coco (“eu mesma ralo”).

Solidariedade na dor

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A amiga de Sandra, Joelma, grávida de oito meses, tinha uma lanchonete em Bento Rodrigues, na Rua Olinda, 237, hoje soterrada. A lanchonete era a Cantinho de Minas.

Joelma trabalhava como servente na Samarco e nos fins de semana vendia seus lanches (“meu hamburguer é uma delícia”) e refeições previamente encomendadas. Saía tutu, frango, macarrão com um “corante especial que a gente sabe fazer” e outras delícias que o pessoal de lá e turistas adoravam. Ela já serviu comida para muitos turistas, entre eles um japonês “que adorou o macarrão!”.

Joelma estava na empresa, no momento em que as barragens se romperam. Quando ela conseguiu chegar em Bento Rodrigues, pela estrada de Santa Rita, “tudo estava tampado de barro”. A lanchonete, a casa da sogra onde viviam, a casa que estavam construindo, tudo lama abaixo. O marido de Joelma, Geraldo Marques, já tinha saído com o filho de oito meses e a mãe. Antes, porém, fez várias viagens levando e buscando pessoas até a Igreja das Mercês, no ponto mais alto da comunidade.

Joelma tem o sonho/direito de ver Bento Rodrigues reerguido novamente. O trabalho na cozinha, ao lado da amiga Sandra, ajuda a passar o tempo e ocupa a cabeça. No seu facebook, Joelma compartilha lembranças da lanchonete e da vida em Bento. A cozinheira perdeu todo o enxoval do filho que está para vir. Ela está alojada no Hotel Providência em um quarto juntamente com o filho, mãe, pai, irmão, a cunhada gestante e o marido. Já a Sandra divide uma acomodação com marido, a filha e um cunhado. O Providência está localizado na Rua Dom Silvério, nº 233, no Centro Histórico.

Resumo da tragédia20151106193501114992a

No dia 5 de novembro, no final da tarde, duas barragens com rejeitos de mineração, Santarém e Fundão, operadas pela Mineradora Samarco se romperam, soterrando totalmente o subdistrito de Mariana, Bento Ribeiro (foto acima). O estouro das barragens atingiu também os distritos de Paracatu de Baixo, Camargos,Ponte do Gama e a cidade de Barra Longa.

Por causa da localização de trinca em uma terceira barragem, da Mina Germano, os escombros de Bento Rodrigues foram totalmente interditados e a população não pode mais ir até lá em busca de pertences, como estava sendo permitido.

Até agora, quinta-feira, dia 12, às 10h, segundo os números oficiais divulgados no site da prefeitura de Mariana, foram confirmadas oito mortes, das quais dois corpos ainda não foram identificados, e 19 pessoas desaparecidas (11 da Samarco e nove moradores). Confira atualização.

Ao todo, foram liberados 62 milhões de metros cúbicos de lama (o equivalente a 62 bilhões de litros de água) misturada a resíduos tóxicos utilizados na lavagem do minério. A lama com os rejeitos está chegando ao litoral capixaba, no que está sendo considerado o maior desastre/crime sócio-ambiental da história brasileira, com repercussões econômicas gravíssimas, principalmente para os mais de 600 moradores destes distritos, que perderam absolutamente tudo.

O prefeito de Mariana, Duarte Júnior, estima em R$ 100 milhões os prejuízos para o município. Os prejuízos ambientais são incalculáveis para a bacia do Rio Doce. A lama está descendo ao longo dos 879 quilômetros, desde sua nascente em Minas, até Regência, no Espírito Santo. Não é como se fosse um tsunâmi mais. Além da calha do rio, essa lama vai se espalhando pelas margens, entupindo nascentes, mudando totalmente o curso d´água, invadindo lagoas marginais, onde nascem os peixes e acabando com toda a ictiofauna.

 

 

 

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