Atualização 24/07/2019 – Quem quiser conhecer e passear no Ideafix é só acessar navegando-ideafix.com.br
Ele não era o maior, nem o mais luxuoso, nem o mais novo ou o mais antigo. O Ideafix, à primeira vista, poderia se parecer apenas a mais um dos tantos veleiros ancorados no Marinas Clube, em Angra dos Reis. Mas ele não é só isso. O veleiro é o lar de um casal apaixonado e idealista que largou a correria da vida e dos negócios no interior de São Paulo para viver de acordo com os ventos. Ele foi, também, o meu lar por uma semana, em Angra dos Reis.
Foi onde eu aprendi que podemos ser tão iguais e tão diferentes ao mesmo tempo e que o amor é o mais importante, sempre. E que os barcos têm uma alma: a alma de quem vive neles, da qual eu tive o privilégio de fazer parte por 7 dias.
Os moradores do Veleiro Ideafix
A semana que eu vivi num veleiro
Eu já contei aqui no blog algumas vezes sobre intercâmbio de trabalho: você troca algumas horas de trabalho por casa e comida em suas viagens, e desta forma tem uma vivência completamente diferente do destino, conhece pessoas, e consegue viajar com muito menos dinheiro.
Há alguns meses atrás eu estava procurando trabalhos assim aqui pelo Brasil no site Workaway para minhas viagens dos próximos meses. Eu não conhecia Angra e foi passando por todas as oportunidades do estado do Rio que me deparei com o seguinte anúncio: “Venha me ajudar a bordo em Angra dos Reis e Ilha Grande“.
O Veleiro ideafix entre as Ilhas de Angra dos Reis
Imediatamente eu me lembrei dos livros do Amyr Klink e do relato de viagem para a Antartida a bordo do Paratii, e de como era a vida em um veleiro e toda a relação que se estabelece com o mar, os ventos e o barco. Qual não foi a minha felicidade quando meu e-mail foi respondido em menos de 24h.
Não foi assim tão fácil conciliar uma data que fosse boa para todos. Foram várias as tentativas e, depois de vários cancelamentos, finalmente conseguimos marcar. Dia 26 de outubro eu embarcaria no Veleiro Ideafix e viveria com Francisco e a Edinha por uma semana.
O trabalho
Cheguei numa segunda-feira à noite de um dia chuvoso. Para a semana, a desanimadora previsão de que haveria chuva para todos os dias. O coração completamente aberto para o que viesse. Um pouco de medo, como é normal em qualquer viagem.
Depois de uma primeira noite de sono um pouco agitada por conta do vento forte que às vezes parecia que iria destruir o barco (pelo menos para uma novata parecia, para quem já está acostumado era apenas um ventinho de nada…), fomos estudar os reparos que precisavam ser feitos no barco e comprar a matéria-prima que faltava.
Reparando a parede interna do Ideafix
O combinado foi, na parte interna, repararmos a parede que divide o salão da cabine de proa. Na externa, reparíamos o antiderrapante próximo ao mastro. No site, algumas alterações no design e na navegabilidade.
A chuva nos obrigou a começar pelo trabalho interno. Ficamos durante três dias olhando para fora e aproveitando qualquer estiada de alguns minutos para tomar as medidas e fazer os moldes do trabalho a ser feito no lado de fora. Quando caía a noite, íamos para o píer lutar com a fraca conexão wi-fi e tentar trabalhar no site.
Cortando os moldes do antiderrapante
A vida a bordo
O Ideafix é um veleiro de 33 pés. Ele tem uma cabine de proa, que é o quarto do casal que vive lá, um banheiro, uma sala com dois sofás e uma mesa, uma cozinha e o cockpit, que é a parte externa onde está o timão (volante).
Eu dormia em um dos sofás da sala. Ao lado, a mesa pode ser baixada e juntar-se ao outro sofá, transformando-se em uma cama de casal. As refeições fazíamos na própria sala ou no cockpit, sentados ao ar livre olhando para a marina e todos os demais barcos.
Para cozinhar, os fogões tem uma grade em volta das panelas que protege para que elas não caiam com o balanço do mar. Para navegar, o melhor é ficar do lado de fora, porque ficando do lado de dentro o balanço nos causa enjoo muito rápido.
Numa pequena geladeira guardamos manteiga, leite, carne. Frutas e verdura são mantidas em redes do lado de fora, refrigeradas pela brisa do mar. Morando num veleiro, ou viajando sem data para voltar, aprende-se a selecionar apenas o extremamente necessário, e a viver com pouco, muito pouco.
Depois da tempestade vem a bonança
Depois de quatro dias de trabalho, e de chuva, amanheceu um belo dia ensolarado. Parece até que o clima organizou tudo para que não nos distraíssemos e terminássemos o trabalho no veleiro em Angra dos Reis antes de sair para nos divertir.
No quinto dia vivendo no mar, mas sem ter dado um mergulhozinho sequer, saímos “cedo” (ninguém estava com pressa) para as Ilha Botinas, duas ilhotas super lindas, logo na saída da Baía de Angra, para fazer snorkel.
Acho que já fazia mais de um ano que eu não usava meus pés de pato e minha máscara. Desde Cozumel, na verdade. Eu estava nervosa, e tive muito medo. Paramos a menos de 50 metros de uma ilha e eu fiquei paralisada antes de ter coragem de finalmente pular no mar e nadar até a pequena praia.
Primeiro snorkeling nas Ilhas de Angra
Foi quando eu finalmente cheguei no recife de corais das pedras em torno da ilha e me lembrei do prazer tranquilo que é apenas boiar com a cabeça para dentro da água, escutando só a minha respiração pelo cano do snorkel enquanto vejo os peixes que calmamente passeiam entre o jardim multicolorido.
Eu estava em “casa”. Depois da longa separação, aqui estávamos eu e o mergulho novamente. “Obrigada a mim mesma por ter me trazido para cá“, foi o meu pensamento. Que bom que eu venci mais uma vez o medo do desconhecido, e o medo de as coisas não saírem como eu havia imaginado, e ter me jogado nesta viagem pelos lugares que eu ainda não conheço no Brasil!
No dia seguinte, mais um dia de sol, e mais um passeio de barco entre as ilhas de Angra. Desta vez, tínhamos visitas, clientes dos passeios de barco do Ideafix. Levamos aquelas pessoas para se apaixonarem também pela região que nós, os moradores do Ideafix, escolhemos para viver.
No final de semana conheci também os amigos de outros veleiros, passeei no Bacanas II da Gil e do Marco, que me levaram para o Saco do Céu, um dos lugares mais lindos da Ilha Grande. Dizem que em noites de mar calmo, a água reflete as estrelas.
Um dos cantinhos do Saco do Céu, em Ilha Grande
A despedida
Quando chegou a segunda-feira novamente, eu olhei tristemente para o calendário e me despedi da Edinha e do Francisco. Ah, sentimos todos uma peninha, porque uma semana passa tão rápido?
O mais difícil nas viagens é nos despedir das pessoas com quem nos conectamos. Viajando, estabelecemos laços muito mais rapidamente do que em casa, e é muito triste pensar que tão cedo vem a separação.
Mas a viagem tem que seguir. Levando-os no coração, irei me apaixonar por outros lugares e pessoas, e sempre poderei voltar para o Ideafix. “Trabalho há!”, me disse a Edinha deixando as portas, ou melhor, as gaiútas abertas!