Uma volta ao mundo em bicicleta faz com que todas as minhas viagens em classe econômica de avião, ônibus de segunda classe e me hospedando em hostels pareçam viagens de luxo. E se a viagem não for só o destino? Se toda a graça estiver no caminho?
Pablo Dadalti, um mineiro de 30 anos, engenheiro mecânico, me ensinou isso numa conversa super bacana que eu trago aqui para vocês. Ele trabalhou durante 4 anos numa empresa de projetos navais. A trajetória profissional dele é a dos sonhos de muita gente. Ele estava cotado para ser gerente em breve, e tinha sido escalado para um projeto no Japão, onde ficaria por 6 meses.
Ao invés de aceitar, ele pediu demissão. “Eu era a promessa da empresa, mas estava vivenciando de perto todo o stress do mundo corporativo. Fui muito sincero com eles: disse que não queria ser gerente, que eu gostava mesmo era da área técnica, mas que eu iria pedir demissão“. E foi rodar o mundo de bicicleta. Já passou pela Europa e agora está na América Latina.
Como a viagem começou?
Eu tinha alguns amigos que já tinham viajado de bike, então me encantei. No meio do ano passado comecei minha viagem pela Europa, mas não deu muito certo, fui sem planejar nada, e não tinha nenhuma experiência. A Europa é muito cara também!
Então na Europa eu cruzei Itália, Croácia, Monte Negro, um pedaço da Bósnia e Albânia. Eu não tinha lido um livro de cicloturismo sequer, passei várias noites em Mc Donald´s 24 horas. Não sabia que os cicloturistas em geral passam a noite em bombeiros, cruz vermelha, escolas. Eu corri riscos.
Que riscos?
Eu dormia em qualquer lugar, parques, praças. Não deixa de ser história para contar, mas quem falar que isso é bom está mentindo. É ruim! Dormir em um banco de praça ao léu.
Teve um dia que eu já tinha pedalado pela Croácia em direção à fronteira com Bósnia, quando parei numa tenda de frutas na estrada. Lá trabalhava um rapaz bem jovem que não falava inglês então, como eu já havia pedalado bastante, fiquei por lá com ele.
A gente não conseguia se comunicar bem, então passamos toda a tarde conversando por desenhos e mímicas. Cara super gente fina, ficou me dando frutas de presente, melhor pêssego que já comi na minha vida! Ficamos muitas horas conversando até a hora dele fechar a tenda, e eu ajudei a fechar. Consegui perguntar se poderia acampar na tenda, ele deixou acampar atrás dela e me deu um tonel de água pra eu me banhar.
Fiquei por lá e começou a anoitecer, então começou um movimento muito forte de estranhos no local. Aí me mandei pra vila que era do lado e dormi num banco de praça que ficava em frente o mar. No final escrevi um recado em três línguas pro rapaz da tenda de frutas agradecendo e coloquei debaixo da porta da tenda quando fui embora pegar estrada no dia seguinte. Isso, mostra a melhor coisa de viajar em bike: as pessoas, o contato forte e amoroso com as pessoas locais que sempre te ajudam.
Aí eu decidi voltar para o Brasil e me replanejar. Li um livro de cicloturismo, Pelos Caminhos de Nuestra América Latina e me mandei pro México.
E na América Latina?
Com o tempo, a viagem foi se tornando parte do meu cotidiano, passei a me sentir mais a vontade em hostels, bombeiros, cruz vermelha e casa de pessoas que me deram um teto mesmo que por apenas uma noite. Passei a me sentir parte de uma família por cada lugar que passava, me abri, chorei, sorri, brinquei e me diverti. Fiz amigos e me despedi com uma velocidade incrível, aprendi a lidar: com a dor da despedida, com a falta das pessoas que amo, saudades, a viver uma vida muito mais simples, com apenas um par de roupas, um fogareiro, uma barraca e um bike. Todo aprendizado que tive nessa viagem até o momento, 20 anos de estudo não me ensinariam.
Teve um dia que eu estava na (estrada) Panamericana e avistei uma senhora que me pediu para parar. “Quer umas bananas?!” Olhei para um lado e olhei para o outro, e respondi: “Sim, porque não”. Então ela me convidou para ir até sua casa para me presentear com as bananas, abacate com rapadura, 4 bananas e dizendo:
– Água fria não tenho porque aqui não tem geladeira mas pode pegar da torneira que sai fresquinha. Está com pressa?!
– Não…. porque?!
– Pq queria comprar uns ovos e fazer um almoço e te convidar, porque Deus me disse que temos que compartilhar, então vou compartilhar o pouco que tenho.
Aceitei e no final da história me presenteou também goiabas, mangostão (uma fruta típica) e queria me dar mais, mas já era muito peso para a bike. Saí de la feliz após um lindo abraço em Brenda e agradecido desse anjo ter cruzado em meu caminho!
Até quando você vai viajar?
Hahaha, a primeira pergunta que todos fazem. Não tenho um destino, aprendi isso no meu caminho. Viajar de bike é ser livre, alguns ciclistas colocam metas, mas acredito que eles tem que aprender a viajar de bike. Viajar de bike é nao ter metas, o caminho é o mais importante!
A cada dia mudo tanto nessa viagem que é impossível! Aprendi a viver sem expectativas, sem pensar no futuro, viver o agora e aprender com o agora.
Qual é o seu conselho para quem quer fazer uma viagem parecida?
Ler um livro de cicloviagem, o resto você consegue ver depois. Existem muitos Homem Livre , Pelos Caminhos de Nuestra América, conversar com cicloturistas e saber como é. Perguntar sem vergonha onde dormiam, o que comiam, como era, se tomavam banho e etc.
Você deveria tentar viajar de bike e fazer parte dessa família linda que não para de crescer!
É preciso treinar muito?
Aprendi uma coisa muito importante na Guatemala: “Poco a poco”. Você pode fazer o que quiser numa bicicleta. Tem dias que eu pedalo 100 km, tem dias que eu pedalo 10. O importante não são os kilômetros por dia.
Nossa conversa durou muito mais ainda. Ele me disse que gasta em média 8-10 dólares por dia nesta viagem, e que na próxima etapa vai passar algum tempo viajando de bicicleta pelo Brasil e já está planejando seguir pela África e Ásia. Pablo já tinha o dinheiro guardado quando decidiu fazer a viagem, porque sempre foi muito simples e não gastava todo o salário que ganhava.
Me passou vários textos em sites, revistas e livros sobre cicloturismo. Acho que ele estava mesmo determinado a me convencer a me juntar aos cicloturistas! O que vocês acham?? Embarco nesta ou não???