Fotógrafo de Minas Gerais atravessa a América Latina de bike, inspirado no livro de Eduardo Galeano, As Veias Abertas da América Latina. Vamos pegar uma carona na garupa dele?
O Deserto de Tatacoa, o Vulcão Azufray e pequenas cidades coloniais colombianas, como Barichara, Villa de Levya e Salento, foram os lugares que mais encantaram até agora o fotógrafo mineiro Bernardo Salce Araújo, na viagem que faz de bike pela América Latina.
Já são dois meses de jornada, 2,5 mil quilômetros percorridos e a aventura “De Bicicleta pelas Veias Abertas da América Latina” está só começando. Ao final de 1 ano ele terá percorrido 23 mil quilômetros, saindo da Colômbia e passando por Equador (onde está agora), Peru, Bolívia, Chile, Argentina e Uruguai.
O périplo pode se estender por mais 12 meses, caso Bernardo consiga os recursos para, depois do Uruguai, voltar à Colômbia, subindo pelo Brasil. Para isso, ele espera vender suas fotos, que são incríveis, e encarar trabalhos temporários durante a viagem. Tem planos de fazer uma exposição e escrever um livro. Para isso, busca patrocínio e pensa em um projeto colaborativo, tipo crowdfunding.
Nascido em Uberaba (MG), ele tem 31 anos, é formado em Direito e mestre em Ecologia Humana, mas trabalha como fotógrafo há cerca de três anos. Fez o mestrado em Portugal, morou dois anos na África do Sul e dois no Camboja.
Eu o conheci aqui em BH esse ano e suas fotos logo chamaram minha atenção, pelo olhar especial para o ser humano. A viagem e o trabalho do fotógrafo podem ser acompanhados em seu site (www.bernardosalce.com), ou acompanhado diariamente no Instagram: @bernardosalce e Facebook: Bernardo Salce Photography.
Nesse bate-papo com o Planejo Viajar, Bernardo divide com a gente o seu dia a dia, alegrias e percalços. Fala da escolha do roteiro, preparação, equipamentos e experiências recolhidas no caminho, que podem funcionar como dicas para você que tem sonhos de viagem e quer realizá-los, por mais difíceis que pareçam.
O roteiro
Estou na estrada há dois meses, percorri cerca de 2,5 mil quilômetros pela Colômbia e Equador. Agora estou nos Andes Equatorianos, indo para a cidade de Baños. Pelo caminho, vou explorando montanhas, vulcões e pequenos vilarejos. Daqui continuarei descendo, passando pelo Peru, Bolívia, Chile, Argentina e Uruguai.
O Uruguai seria o destino final, mas já considero a possibilidade de fechar um círculo pela América do Sul, subindo a costa brasileira e retornando à Colômbia. Vai depender de como estarei financeiramente quando chegar no Uruguai.
Até Montevidéu, imagino percorrer 23 mil quilômetros, o que deve me tomar cerca de 1 ano. Caso eu decida subir pelo Brasil e chegar novamente à Colômbia, imagino que necessite de 1 ano mais. O Brasil é muito grande, e muito lindo! haha 🙂
A escolha
A ideia surgiu há muitos anos, quando li pela primeira vez As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. Autores como Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e vários outros também contribuíram muito para despertar minha curiosidade sobre a América Latina, seus povos, lugares e culturas. Além de vários filmes que vi e reportagens da National Geographic.
A América Latina tem algo mágico, romântico, misterioso, uma coisa difícil de explicar…Imaginei que de bicicleta eu poderia ver, experimentar, sentir e vivenciar isto de uma forma mais intensa. Já posso dizer que não estava enganado.
A preparação
Embora sempre tenha praticado esportes e levado um estilo de vida saudável, não fiz nenhuma preparação específica para esta viagem. Comecei a pesquisar o roteiro quando estava morando no Camboja, mas nunca quis ter planos rígidos e muito definidos.
O meu voo para a Colômbia saiu da Tailândia, e foi lá que comprei as maletas que levo comigo na bicicleta, além de alguns outros acessórios.
Tenho uma ideia geral dos lugares que quero visitar, mas o caminho exato vai se definindo naturalmente, à medida que vou conversando com moradores locais e outros ciclistas. Não tenho um plano rígido, fechado. Aprecio o acaso, as descobertas inesperadas…serendipidade.
Um dia de viagem, com ou sem banho…
Pedalo em média cinco dias na semana e quando encontro algum lugar de que gosto bastante, fico por lá por algum tempo, descansando, explorando a região, fotografando.
Normalmente, me levanto às 5h e pedalo cerca de 6 horas por dia, mas isto depende muito das condições da estrada, do meu estado de espírito, dos lugares que encontro pelo caminho…Às vezes pedalo apenas 30 quilômetros num dia, outras vezes faço mais de 100.
Não pedalo à noite, então sempre paro às 16h, 17h, para encontrar um lugar onde passar a noite e apreciar o pôr do sol, talvez com uma merecida cerveja haha 🙂
Quanto à hospedagem, alimentação e banho (aliás, dias sem banho ja são frequentes haha :), tudo depende da estrada que tomo e do que encontro ou não pelo caminho. Acampo com frequência porque adoro e para diminuir custos, e me alimento sempre em mercados, onde a comida local é boa e bem barata.
O financiamento
O dinheiro foi conseguido com meu trabalho como fotógrafo em Phnom Penh, Camboja, onde morei pelos dois últimos anos, fotografando para diversos canais de comunicação, empresas e ONGs.
Embora gaste bem pouco, não creio que o dinheiro será suficiente para toda a viagem. Como ainda não tenho nenhum patrocínio, já estou preparado para, em algum momento do roteiro, fazer uma pausa para trabalhar com alguma coisa e conseguir verba para seguir caminho.
A fotografia
Embora ainda tenha meu equipamento da Canon, há algum tempo trabalho com máquinas da Fujifilm, por sua qualidade, tamanho e leveza. Agora, estou com uma Fujifilm X-T1 e duas lentes, uma grande angular e uma telezoom. Tenho também uma Fujifilm X100S, minha favorita.
Levo ainda uma GoPro, com a qual faço os vídeos da viagem.
Eu estava viajando com meu Macbook Pro, onde tinha meus softwares de edição de fotos e vídeo, mas ele estragou. Recentemente comprei um computador bem simples e básico, e o utilizo apenas para salvar as fotos em HDs externos e escrever sobre a minha viagem.
Edito as fotos em aplicativos no meu iPhone e está bom o bastante, por agora.
A bike
Eu montei a minha bicicleta em Bogotá e, na verdade, ela é bem simples. Eu queria uma bicicleta ao mesmo tempo forte para aguentar o peso (por isso o quadro de aço), e simples para arrumar, em caso de necessidade. Ela tem se mostrado perfeita para a viagem, dentro das minhas necessidades.
As dores e as delícias
Viajar de bicicleta, carregando em média 30-35kg, não é fácil. O cansaço físico e mental é bem considerável. Tento me alimentar bem para não perder muito peso (viajar de bicicleta emagrece muito!) e ter energia suficiente para seguir viagem.
Muitas vezes, sobretudo naquelas longas subidas ao final do dia, a mente já começa a pregar peças. Mas sempre falo para mim mesmo que já passei por momentos piores e que preciso das subidas para poder dar o devido valor às descidas. Como a vida em geral, precisamos dos opostos, pois são eles que definem um ao outro.
A chuva, o frio, a altitude, o calor extremo e terrenos acidentados tambem são dificuldades consideráveis, mas fazem parte da aventura.
Motivos de alegria são aquelas coisas aparentemente simples: uma bela paisagem, um belo encontro com algum morador local, ver o nascer e o por do Sol, um banho quente ao final do dia…
Solidão?
Viajei um tempo na companhia de um casal, mas já estou de novo sozinho, uma vez que eles decidiram permanecer por mais uns dias no Sul da Colômbia. Foram duas semanas juntos e uma experiência muito bacana. Nos demos super bem, e foi mais fácil também em termos de fotos – sozinho fica mais complicado, por exemplo, de ter fotos minhas pedalando…Viajar com mais pessoas é interessante pois temos com quem compartilhar os bons momentos e nos ajudar nas dificuldades.
Viajar sozinho, por outro lado, exige mais de mim em vários sentidos e, exatamente por isso, me fortalece mais. O pedalar também se torna mais meditativo, reflexivo. Tenho a oportunidade de pensar acerca de muitas questões da minha vida e do mundo ao meu redor.
Muita gente pergunta se não me sinto solitário e eu sempre digo que não, pelo contrário. Não acredito que a solidão seja definida pela distância física separando duas pessoas. Ainda, o fato de estar sozinho me abre muitas portas para maravilhosos encontros pelo caminho.
O que me move
A curiosidade e o desejo de descobrir mais lugares, mais belezas, mais histórias. Há muito a ser explorado, vivenciado e aprendido pelo caminho.
Viajar de bicicleta prova que não precisamos de muito para viver, em termos materiais. Vivemos numa sociedade que quer, a todo custo, nos convencer a comprar cada vez mais, porém quanto mais nos preocupamos em comprar, mais nos esquecemos de ser. E é triste passar por esta aventura maravilhosa chamada vida tendo muito e sendo pouco.
Viajar de bicicleta tem me deixado em um estado permanente de pura felicidade e conectividade com o mundo ao meu redor e uma das coisas que mais me fascina é a absoluta imprevisibilidade de cada dia.
Muitos me perguntam o por que de viajar de bicicleta e costumo responder: gosto do desafio físico e mental, da sensação de liberdade, da aventura. Esta viagem me faz valorar as coisas que tomamos como garantidas no nosso dia a dia: um banho quente, uma cama limpa e confortável, etc…
Há também o romance de se percorrer um continente em uma bicicleta, mas é algo a mais, algo que não consigo explicar e talvez seja melhor que assim permaneça. A vida, afinal, seria enfadonha se tivéssemos respostas para tudo.
As lições
E possível sim, para todos, lançar-se numa aventura, pequena ou grande. O medo e a insegurança são obstáculos importantes, compreensíveis, mas que devem ser superados se queremos caminhar na direção dos nossos sonhos, no sentido de uma vida plena e feliz.
Desafios são o que nos move e o que nos torna pessoas melhores. Desculpas são fáceis de dar, mas elas não nos levam a lugar algum e certamente nos trazem dolorosos arrependimentos futuros.
É importante acreditar, lutar pelo que buscamos, não desistir diante das inevitáveis dificuldades que encontraremos pelo caminho. Não acontecerá do dia pra noite e não será facil, mas, na verdade, nao teria graça se assim não fosse.
Podemos ate não conseguir “chegar lá”, mas, por favor, temos a obrigação moral com a gente mesmo de tentar…Que triste deve ser, chegar já a uma idade avançada, olhar para trás e pensar: “Poxa, eu não lutei pelo que eu queria, por meus sonhos e objetivos…”
Eu nao quero isso pra mim. Você quer? 🙂
Os planos
Seria mesmo fantástico, ao final da viagem, poder organizar alguma exposição e até mesmo publicar um livro para compartilhar o que vi e vivi na estrada. Espero encontrar parceiros interessados em me ajudar com estes projetos.
Por enquanto, as fotos tem servido de “diários visuais” para atualizar minhas mídias sociais e compartilhar com amigos o que eu tenho. Minha ideia é vendê-las, em diferentes formatos, e assim conseguir fundos para ir custeando a viagem.
Vamos compartilhar?
Adoramos contar histórias de viajantes E você, tem uma História de Viagem bacana pra contar? Manda pra gente!